Arquivos mensais: outubro 2016

China produz mais insumos para suas fábricas e sacode comércio mundial

Judah Huang trabalha na cadeia global de suprimentos de uma empresa chinesa que fabrica revestimentos antiaderentes para formas de bolo, frigideiras e grelhas vendidas em lojas como o Wal-Mart.

Até alguns anos atrás, as panelas e formas eram feitas na China, mas a maioria dos materiais usados na fabricação vinha do exterior. Huang importava a maioria das resinas, pigmentos e pastas para seus revestimentos de multinacionais como a americana Dow Chemical Co. e a alemã Eckart Effect Pigments.

Agora, numa mudança que está se disseminando pelo vasto setor de manufaturas da China, ele compra mais de 70% dessas matérias-primas de fornecedores chineses.

“Todas essas matérias-primas agora são feitas por alguém na China”, diz Huang, gerente técnico da GMM Non-Stick Coatings, que tem uma fábrica em Zhuhai, perto de Macau.

A China, há muito o chão de fábrica do mundo, também está assumindo o controle de uma fatia maior da cadeia mundial de suprimentos e, com isso, provocando uma mudança na dinâmica do comércio global, à medida que reduz suas importações.

A segunda maior economia do mundo, depois dos Estados Unidos, utiliza grandes volumes de matérias-primas e componentes, de alumínio a microchips, que transforma em produtos acabados como iPhones e grelhas George Foreman para a venda em todo o mundo. Esses fluxos de suprimentos impulsionaram o comércio global durante anos e tornaram a China um dos principais destinos das exportações.

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Agora, a redução desses fluxos está castigando os parceiros comerciais da China, freando o crescimento mundial e dando munição a políticos como Donald Trump para questionar os benefícios do comércio global.

As exportações para a China, que subiram praticamente todos os anos desde 1990, caíram 14% em 2015, a maior queda anual desde os anos 60. Elas acumulam queda de mais 8,2% neste ano até setembro. O recuo ajudou a reduzir o crescimento do comércio mundial em 0,3 ponto percentual em 2015 e é um dos principais motivos que devem encolher esse crescimento para 1,7% neste ano, ante uma média anual de 5% registrada nos últimos 20 anos.

Parte dessa queda é resultado da desaceleração econômica e de um excesso de produtos na China e no mundo. Mas a China também está cada vez mais se voltando à produção interna para atender a demanda de suas fábricas, especialmente em áreas de margens elevadas como semicondutores e máquinas.

É uma tendência perturbadora para muitos produtores globais, que cederam a produção de baixo custo para seus rivais chineses, mas contam com a liderança na área de bens e componentes de maior valor agregado e tecnologia mais avançada.

“Os produtos de padrão mais elevados ainda não estão lá”, diz Ka Lok Cheung, que chefia as operações da alemã Eckart em Zhuhai, observando que rivais locais ainda têm problemas em manter uma qualidade consistente em alguns pigmentos mais difíceis de produzir. “Mas em muitas coisas eles já estão alcançando” os importados.

O valor dos componentes e materiais importados pela China para uso em outros produtos caiu 15% no ano passado ante 2014, a maior queda anual desde a crise financeira global, e voltou a cair outros 14% nos primeiro nove meses deste ano, segundo a Wind Info, empresa que compila dados da alfândega chinesa.

Parte desta queda é consequência de os exportadores chineses estarem usando menos importados em seus produtos, mostram dados de um estudo do Fundo Monetário Internacional. A proporção de insumos importados usados nos produtos de exportação chineses caiu numa média anual de 1,6 ponto percentual nos últimos dez anos, atingindo 19,6% em 2015, ante mais de 40% em meados da década de 90, segundo dados de comércio da China.

A americana Wilton Brands, que fabrica panelas na China com o revestimento antiaderente da GMM, anteriormente usava aço do Japão ou da Coreia do Sul porque o aço chinês era muito ruim, diz James Hill, diretor executivo de operações globais. Com as melhorias no aço chinês, as fábricas agora compram localmente, o que significa que quase todos os materiais que compõem as panelas, inclusive os usados no revestimento, são produzidos na China, diz ele.

No caso dos produtos de baixo custo, principalmente em setores assolados pelo excesso de capacidade, o Ministério do Comércio da China impôs tarifas antidumping contra empresas como Dow Chemical e Eastman Chemical Co., que segundo o órgão estariam prejudicando a indústria local ao inundar o país com produtos baratos demais.

A Dow Chemical não quis comentar sobre as tarifas, mas informou que vendeu a unidade local afetada e tem priorizado produtos químicos mais avançados, que representam agora 95% de sua receita na China, diz Peter Wong, presidente da Dow para a região da Ásia e Oceania. A Eastman não quis comentar.

Para incentivar a produção doméstica de produtos de maior valor agregado, o governo chinês anunciou em 2015 um plano de elevar o conteúdo de componentes e matérias-primas essenciais feitos no país para 40% até 2020 e 70% até 2025. O país tem gasto cifras vultosas em pesquisa e desenvolvimento: US$ 213 bilhões em 2015, ou 2,1% do produto interno bruto, segundo a mídia estatal. Em junho, o governo prometeu mais dinheiro para “inovação tecnológica”.

Exportações de alta tecnologia para a China caíram 5% neste ano até setembro ante o mesmo período de 2015, segundo a Wind Info, prolongando uma queda de dois anos.

Em químicos especiais e de alto custo — setor onde atua a GMM — o volume que a China importa dos EUA caiu 8% nos primeiros sete meses do ano.

Durante anos, a GMM comprou mais da metade da matéria-prima que usa de gigantes como a DuPont Co. e a Dow Chemical, com quem a DuPont está se fundindo. A GMM importava resinas de silicone e pasta de alumínio, químicos mais complexos e de margem elevada que os fabricantes locais não conseguiam produzir. Só ingredientes mais baratos, como solventes, eram comprados na China.

Por volta de 2012, os fabricantes de químicos da China começaram a oferecer resinas e pigmentos de alto padrão para a GMM a um custo muito menor que os importados e aprovados por reguladores como a FDA, agência que controla alimentos e remédios nos EUA, diz Ravin Gandhi, diretor-presidente da GMM, que trabalha em Chicago.

A GMM começou, então, a migrar suas comprar para empresas locais.

Como os produtos domésticos são 10% a 20% mais baratos que os estrangeiros, diz Huang, a mudança foi transformadora para a GMM. Ela cortou o custo dos revestimentos acabados em 10% desde 2012, elevando os lucros da firma em até15% e possibilitando uma redução dos preços para os clientes.

Fonte: The wall street journal